Álvaro de Campos é um dos heterônimos mais
conhecidos de Fernando Pessoa. Este fez uma biografia para cada um dos
seus heterônimos e, de Álvaro de Campos declarou:
Nasceu em 15 de Outubro de 1889, em Tavira, teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Agora está aqui em Lisboa em inatividade.
Era um engenheiro de educação inglesa e origem
portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte
do mundo. Pessoa disse também em relação a este heterônimo que :
Eu fingi que estudei engenharia. Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda. Meu coração é uma avozinha que anda Pedindo esmolas às portas da alegria.
Entre todos os heterônimos Campos foi o
único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo de sua obra. Houve três
fases distintas na sua obra. Começa sua trajetória como um
decadentista (influenciado pelo Simbolismo), mas logo adere ao Futurismo: é a
chamada Fase Sensacionista, em que produz, com um estilo assemelhado ao de Walt
Whitman (a quem dedicou um poema, a Saudação a Walt Whitman), versilibrista,
jactante, e com uma linguagem eufórica onde abundam as onomatopeias, uma série
de poemas de exaltação do Mundo moderno, do progresso técnico e científico, da
evolução e industrialização da Humanidade: é muito influenciado por Marinetti,
um dos nomes cimeiros do Futurismo neste período. Após uma série de desilusões
com a existência, assume uma veia niilista ou intimismo: é conhecida como Fase
Abúlica, e assemelha-se muito, sobretudo nas temáticas abordadas, à obra do
Pessoa ortônimo a desilusão com o Mundo em que vive, a tristeza, o
cansaço ("o que há em mim é sobretudo cansaço", assim começa um dos
seus mais famosos poemas) leva-o a refletir, de modo assaz saudosista, sobre a
sua infância, passada na "velha casa": infância arquetípica, de uma
felicidade plena, é o contraponto ao seu presente. Uma fase caracterizada pelo
cansaço e pelo sono que se denota bastante no pessimista poema
"Dactilografia" da obra Poemas:
Que náusea de vida! Que abjecção esta regularidade! Que sono este ser assim!
No poema "Aniversário" Álvaro de Campos
compara a sua infância, "o tempo em que festejava o dia dos meus
anos" com o tempo presente, em que, afirma "já não faço anos. Duro.
Somam-se-me dias". Este é talvez o exemplo mais acabado - e mais conhecido
- dessa mitificação da infância, por contraste à tristeza e descrença do poeta
no presente.
Álvaro de Campos conheceu Alberto Caeiro, numa visita
ao Ribatejo e tornou-se seu discípulo: "O que o mestre Caeiro me ensinou
foi a ter clareza; equilíbrio, organismo no delírio e no desvairamento, e
também me ensinou a não procurar ter filosofia nenhuma, mas com alma."
Páginas Íntimas e Auto Interpretação, p. 405).
Distancia-se, no entanto, muito do mestre ao
aproximar-se de movimentos modernistas como o futurismo e o sensacionismo.
Distancia-se do objetivismo do mestre e percepciona as sensações
distanciando-se do objeto e centrando-se no sujeito, caindo, pois,
no subjetivismo que acabará por enveredar pela consciência do
absurdo, pela experiência do tédio, da desilusão ("Grandes são os
desertos, e tudo é deserto / Grande é a vida, e não vale a pena haver
vida") e da fadiga ("O que há em mim é sobretudo cansaço - / Não
disto nem daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansaço assim mesmo, ele
mesmo, / Cansaço).
Álvaro de Campos experimentara a civilização e admira
a energia e a força, transportando-as para o domínio da sua criação poética,
nomeadamente nos textos "Ultimatum" e "Ode Triunfal".
Álvaro de Campos é o poeta modernista, que escreve as sensações da energia e do
movimento bem como, as sensações de "sentir tudo de todas as
maneiras". É o poeta que mais expressa os postulados do Sensacionismo,
elevando ao excesso aquela ânsia de sentir, de percepcionar toda a complexidade
das sensações.
A sua primeira composição data de 1914 e ainda em 12
de Outubro de 1935 assinava poesias, ou seja, pouco antes da morte de Fernando
Pessoa o qual cessara de assinar textos antes de Álvaro de Campos.
FASES DA ESCRITA
É possível verificar que existiram três fases na
escrita de Campos: a primeira, a decadentista, é a que mais se aproxima da
nossa poesia de final do século; a segunda, a modernista, corresponde à
experiência de vanguarda iniciada com Orpheu; e a terceira é a negativista, na
qual a angústia de existir e ser mais se evidencia e se radicaliza.
1ª Fase - Decadentista
Nesta fase o poeta exprime o tédio, o cansaço e a
necessidade de novas sensações (“Opiário”- oferecido a Mário de Sá Carneiro e
escrito enquanto navegava pelo canal Suez em Maio de 1914). Também o
decadentismo surge como uma atitude estética finissecular que exprime o tédio,
o enfado, a náusea, o cansaço, o abatimento e a necessidade de novas sensações.
Esta fase expressa-se como a falta de um sentido para a vida e a necessidade de
fuga à monotonia, com preciosismo, símbolos e imagens apresenta-se marcado pelo
Romantismo e pelo Simbolismo.
Citações que sintetizam a fase:
“E afinal o que quero é fé, é calma
E não ter estas sensações confusas.” ,
“E eu vou buscar o ópio que consola.”
"É antes do ópio que a minha alma é doente"
2ª Fase – Futurista/Sensacionista
Esta fase foi bastante marcada pela influência de
Walt Whitman e de Marinetti (Manifesto Futurista), nela, Álvaro de Campos
celebra o triunfo da máquina e da civilização moderna. Sente-se nos poemas uma
atração quase erótica pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta
a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação
metálica e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o
exemplo desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela
máquina, há a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da
vida moderna. O futurismo nesta fase é visível no elogio da civilização
industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”, Ode
Triunfal), na ruptura com o subjetivismo da lírica tradicional e na
transgressão da moral estabelecida. Quanto ao Sensacionismo, este revela-se na
vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” –
afastamento de Caeiro), no masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente,
/ tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode
Triunfal) e na expressão do poeta como cantor lúcido do mundo moderno. É nessa
fase onde a sensação é mais intelectualizada.
citações que sintetizam a fase: "Quero
ir na vida como um automóvel último modelo","Quero sentir tudo de
todas as maneiras" Nesta fase Campos seria:
"Um Whitman com um poeta grego dentro.Pois
Pessoa o coloca numa dupla seqüência:a de uma arte orientada pelo ideal gregoe
a dos cantores de hinos a civilização modernae sensações por ela
provocadas."
3ª Fase – Intimista/Pessimista
A fase intimista é aquela em que, perante a
incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento, que provoca “Um
supremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo, /Cansaço…”. Nesta fase, Campos
sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo,
angustiado e cansado. Como temáticas destacam-se: a solidão interior, a
incapacidade de amar, a descrença em relação a tudo, a nostalgia da infância, a
dor de ser lúcido, a estranheza e a perplexidade, a oposição sonho/realidade –
frustração (ex. “Tabacaria”), a dissolução do “eu”, a dor de pensar e o
conflito entre a realidade e o poeta. É nessa fase em que se enquadram:
"Lisbon Revisited" (l923), "Apontamento", "Poema em Linha Reta " e
"Aniversário", que trazem, respectivamente, como características, o
inconformismo, a consciência da fragilidade humana, o desprezo ao suposto mito
do heroísmo e o enternecimento memorialista.
O que se constata, finalmente, é que Álvaro de
Campos, a despeito de intelectualizar as sensações e apresentar laivos
surrealistas, é a personalidade pessoana que mais se aproximou de uma poesia
realista, e, também, quem mais foi marcado pelos caracteres da modernidade.
Citação que sintetiza a fase: "íssimo,
íssimo, ísssimo cansaço"
- Extraído de http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=80089 em
09 de março de 2013 às 11h43.